Os Açúcares – Parte I

Quando falamos em açúcares, frequentemente pensamos em produtos processados, doces, chocolates ou mesmo o simples açúcar de mesa, e associamos logo ao ganho de peso e obesidade, e ao desenvolvimento de diabetes e outras patologias. Se é verdade que estes produtos são, de facto, ricos em açúcares, e que o seu consumo excessivo pode levar ao desenvolvimento dos problemas referidos, também é verdade que não são os únicos alimentos que os contêm, que tantos outros produtos comuns na nossa alimentação são ricos em açúcar sem sequer darmos conta, que existem vários tipos de açúcares e que nem todos causam problemas, e ainda que o seu consumo moderado e adequado também traz benefícios para a saúde.

Quando falamos em “açúcares” estamos a falar em hidratos de carbono. Existem hidratos de carbono simples e hidratos de carbono mais complexos. Actualmente, associamos o termo “açúcares” apenas aos hidratos de carbono simples, mesmo em termos nutricionais, de modo a diferenciar os açúcares e a evidenciar aqueles com que temos de ter mais cuidado em termos de saúde; mas, de facto, o seu significado abrange todo este grupo de nutrientes. No que toca aos hidratos de carbono simples, temos monossacáridos como a glicose, a frutose e a galactose, e dissacáridos como a maltose (glicose + glicose), sacarose (glicose + frutose) e lactose (glicose + galactose). No que toca aos hidratos de carbono complexos, temos o glicogénio, o amido e a celulose. Existem muitos mais tipos de hidratos de carbono, sendo estes os principais no que toca à alimentação.

Estes açúcares estão distribuídos por uma grande variedade de alimentos:

  • Glicose: É pouco frequente encontrar a glicose presente naturalmente nos alimentos, uma vez que costuma aparecer combinada com outros açúcares. Na sua forma isolada, é mais comum apenas ao nível dos alimentos processados, onde é adicionada.
  • Frutose: Está naturalmente presente na fruta e no mel. Actualmente, é utilizada para fabricar xarope de milho rico em frutose ou xarope de glicose e frutose, que são adicionados aos alimentos processados por apresentarem uma maior capacidade adoçante comparativamente ao açúcar de mesa.
  • Galactose: É pouco frequente encontrar a galactose presente naturalmente nos alimentos; costuma aparecer sobre a forma de lactose nos lacticínios e produtos que os utilizem na sua confecção, como gelados, sobremesas lácteas, farinhas lácteas, bolos e bolachas.
  • Maltose: Está naturalmente ao nível do malte e da cerveja. É também bastante utilizada ao nível dos alimentos processados.
  • Sacarose: Está naturalmente presente na fruta e no mel, bem como no açúcar de mesa e produtos que o utilizem na sua confecção, como cereais comerciais de pequeno-almoço, bolos, bolachas, chocolates, snacks doces e refrigerantes.
  • Glicogénio: Constitui o açúcar das reservas musculares e hepáticas dos animais, pelo que se encontra naturalmente presente na carne, no peixe, no fígado dos animais e nas iscas.
  • Amido: Constitui o açúcar de reserva das plantas, e está presente em maior quantidade nos chamados vegetais amiláceos, como a batata e batata-doce. Está também presente nas castanhas, nas leguminosas e nos cereais (arroz, aveia, centeio, cevada, trigo, milho, quinoa) e nos seus derivados, como farinhas de cereais, pão, massas, bolos, bolachas.
  • Celulose: Está também presente nos vegetais, mas como não é totalmente digerida e absorvida, é considerada uma fibra. Está presente nos vegetais, na casca da fruta e em sementes.

Os açúcares são muito importantes para o normal funcionamento do nosso organismo. São o combustível preferencial das nossas células, principalmente das que integram o nosso cérebro e restante sistema nervoso, fornecendo energia de forma rápida e criando reservas quando não é imediatamente necessária. Têm ainda uma função estrutural, incorporando os diversos compostos celulares do organismo. Os açúcares devem integrar a nossa dieta, satisfazendo entre 45% a 65% das nossas necessidades energéticas diárias. Para um valor médio de 2000kcal, isso corresponde entre 225g a 325g diárias. A restrição severa dos açúcares na alimentação é uma prática cada vez mais comum para quem busca uma perda peso rápida; contudo, quando essa restrição é severa ou realizada sem acompanhamento nutricional pode causar diversos problemas para a saúde, desde alterações de humor e irritabilidade, fadiga, obstipação, aumento dos cravings por doces – com consequente aumento de peso – até  problemas mais graves como grandes alterações hormonais e produção excessiva de compostos denominados de corpos cetónicos – gerando diminuição do pH sanguíneo e, em casos graves, coma ou mesmo morte. O organismo necessita dos açúcares para funcionar correctamente, e as estratégias para redução ponderal nunca devem passar por excluí-los da alimentação, mas sim por moderar a sua quantidade e preferir os açúcares mais complexos em detrimento dos simples.

O problema associado ao consumo de açúcares está relacionado principalmente com o tipo de açúcares consumidos. Actualmente, muito dos açúcares consumidos são açúcares simples, o que acarreta graves consequências para a saúde. A OMS recomenda que o consumo ideal de açúcares simples deve fornecer um aporte energético inferior a 5% das nossas necessidades diárias, o que para um valor médio de 2000kcal corresponde a menos de 25g diárias. Contudo, este valor é facilmente ultrapassável, não só pela escolha intencional de snacks doces – muito comum nas práticas alimentares actuais – mas também pelo consumo de produtos cujo conteúdo em açúcares simples é desconhecido. Hoje em dia, os açúcares simples estão vastamente distribuídos em muitos produtos comuns na alimentação dos portugueses, não só em alimentos doces, bolos, bolachas, chocolates e refrigerantes, mas também em alimentos menos óbvios, como pão, salsichas e molho de tomate. Esta adição de açúcares simples aos produtos processados é feita não só para conseguir um sabor doce ou para disfarçar sabores menos agradáveis, mas também para aumentar a sua durabilidade.

O consumo aumentado de açúcares simples pode acarretar consequências graves para a saúde. Estes açúcares são rapidamente absorvidos e disponibilizados às células; contudo, caso estas não necessitem de toda a energia que é disponibilizada, irão armazená-la de imediato sob a forma de gordura. A acumulação de gordura, se ocorrer frequentemente, leva a um aumento de peso e ao desenvolvimento de obesidade. A acumulação de gordura ocorre também no fígado, em menor escala; mas, a partir de certo ponto, o acúmulo de gordura a nível hepático pode tornar-se excessivo e começar a prejudicar o seu funcionamento. Para que os açúcares entrem na célula, é necessária a produção de insulina; porém, o consumo regular e excessivo de açúcar leva a uma produção constante de grandes quantidades de insulina, pelo que as células começam gradualmente a tornar-se mais resistentes à sua acção. Esta situação tende a agravar, originando diabetes, que pode por sua vez desencadear problemas renais, vasculares e oculares se não for controlada. Além destes problemas, o consumo regular e excessivo de açúcar está associado a um maior risco de desenvolvimento de cáries, síndrome metabólico, problemas cardíacos e alguns tipos de cancro.

Outra questão associada ao consumo de açúcares simples é o seu efeito aditivo. O consumo de açúcar estimula a produção de dopamina, neurotransmissor responsável pela sensação de prazer, bem-estar e “recompensa” que muitas vezes se segue à ingestão de produtos doces. A ingestão frequente de açúcar leva a que esse mecanismo se repita frequentemente também, criando a nível cerebral uma sensação de dependência e necessidade de produtos doces para obtenção da sensação de satisfação e bem-estar. O consumo frequente de doces é um hábito alimentar que estimula a sua própria continuação, agravando a tendência para o desenvolvimento das patologias já referidas.

Existem diversas estratégias que podem ser tomadas diariamente no sentido de reduzir a ingestão de açúcares simples. Numa altura em que a Páscoa se aproxima, e com ela o consumo de grandes quantidades de chocolates, bolos e doces, torna-se importante referir algumas, no sentido de diminuir o impacto desta época na nossa saúde.

  • Limite o consumo de chocolates, doces e bolos da Páscoa ao fim-de-semana da Páscoa apenas. O mesmo se aplica às restantes ocasiões festivas durante o ano. Estas épocas são marcadas por grande ingestão alimentar, principalmente de produtos ricos em açúcares simples, sal e gorduras, e o seu consumo deve restringir-se a esses dias e não a todos os que os sucedem também. A ingestão deste tipo de alimentos, bem como de refrigerantes, snacks açucarados e fruta cristalizada, deve constituir uma excepção e não uma parte integrante da alimentação habitual.
  • Prefira confeccionar alguns bolos e sobremesas ao invés de comprá-los já prontos, e quando estiver a cozinhá-los, reduza a quantidade de açúcar utilizado. Pode substituir uma parte do açúcar utilizado por adoçante, mas o ideal é mesmo reduzir apenas a quantidade de açúcar sem recorrer a estes produtos. Pode também adicionar canela ou fruta aos seus preparados com menos açúcar, mantendo o sabor doce e melhorando o valor nutricional das suas receitas.
  • Evite a confecção regular de sobremesas, preferindo a fruta enquanto elemento doce e saciante no final das suas refeições. Evite igualmente adicionar açúcar à fruta, seja ela natural, cozida ou assada.
  • Diminua gradualmente o açúcar que adiciona ao chá e ao café, de modo a conseguir uma habituação ao sabor natural dessas bebidas e, posteriormente, conseguir ingeri-las sem adicionar açúcar de todo. Os adoçantes podem ser uma opção para substituir o açúcar, mas o ideal é não adicionar nenhum dos dois às suas bebidas. Adicionar uma pequena colher de canela ao café, por exemplo, pode ajudar a disfarçar ligeiramente o seu sabor forte e auxiliar a sua ingestão.
  • Leia os rótulos dos alimentos e escolha apenas aqueles que apresentam menor teor de açúcares simples (referidos simplesmente como teor de açúcares dentro do teor de hidratos de carbono).

 

Joana Ferreira

Nutricionista Estagiária à Ordem dos Nutricionistas