A COVID-19 e as Doenças Cardiovasculares

A população idosa caracteriza-se por ser muito heterogénea do ponto de vista funcional, pelo que as suas necessidades de cuidados de saúde são também muito diversas. Por isso, nos doentes idosos, não se devem tomar decisões clinicas, com base exclusivamente na idade cronológica, mas antes na capacidade funcional, que está demonstrado, é o melhor marcador preditivo de risco a nível individual. Na verdade, existe um largo espectro no perfil de saúde dos indivíduos com mais de 70 anos, já que 25% são robustos e têm uma excelente esperança de vida a 10 anos, enquanto, cerca de 20%, têm fragilidade e um risco elevado de doença e morte.

Os estudos disponíveis apontam para uma mortalidade global da COVID-19 de um pouco mais de 2%, que aumenta muito significativamente com a idade, sendo inferior a 0,5% nos doentes com menos de 50 anos e de cerca de 15% nos doentes com mais de 80 anos. Cerca de 80% dos infetados têm sintomas ligeiros que não exigem internamento e um número indeterminado é assintomático.

Os principais sintomas desta infeção são a febre e o cansaço, de início, e mais tarde a tosse que pode evoluir para falta de ar. A dor de garganta e a rinorreia não são sintomas habituais da COVID-19. Se o doente tiver aqueles sintomas, deve ficar em casa e contactar primeiramente a Saúde 24 ou o seu médico telefonicamente, evitando ir de imediato ao consultório médico ou ao hospital.

As queixas de falta de ar e de cansaço podem ser sintomas de insuficiência cardíaca e também da COVID-19, pelo que têm potencial para levantar dificuldades diagnósticas. Também se sabe que as infeções respiratórias se associam com frequência a síndromes coronários agudos, cujos sintomas podem ser mascarados pela COVID 19. Por outro lado os doentes idosos com quadros de fragilidade podem não ter febre e manifestar sintomas atípicos bastante inespecíficos, que por si não levantam a suspeita de diagnóstico de infeção.

Para além da existência de doença cardiovascular se associar a maior risco de morte nos infetados com o vírus SARS – CoV-2, a COVID-19 causa com frequência várias complicações cardiovasculares, nomeadamente, miocardites, arritmias e trombo-embolismo. Por outro lado, os fármacos que estão a ser utilizados no seu tratamento podem ter efeitos secundários cardiovasculares, tais como, insuficiência cardíaca, prolongamento do intervalo QT, arritmias, etc.

Na presença de insuficiência cardíaca, patologia tão frequente nas faixas etárias mais avançadas, o doente deve ter cuidados redobrados com a ingestão excessiva de líquidos e evitar fármacos anti-inflamatórios não esteroides, sobretudo se tiver hipertensão arterial.         

Embora seja normal que os doentes se sintam ansiosos com o risco desta infeção, continua a ser importante manter um estilo de vida saudável, para assegurar a saúde em geral. Ter uma alimentação saudável, fazer exercício regularmente, não fumar, dormir o suficiente e procurar reduzir o stress, aumenta a resistência ao vírus e é fundamental para reduzir o risco de um conjunto de doenças crónicas que são responsáveis por um número de mortes muito superior à COVID -19.

Se o doente estiver a tomar medicamentos para as suas doenças subjacentes, nomeadamente cardiovasculares, não deve parar a medicação, pois caso contrário a sua situação clinica pode agravar-se.

Num contexto de grande sobrecarga dos cuidados de saúde e limitação de recursos disponíveis, como na crise sanitária que atravessamos, existe o risco de se gerar uma situação de discriminação dos doentes idosos, de modo algum tolerável. Na verdade estes doentes evoluem com maior frequência para situações clinicas graves que impõem a necessidade de internamento em unidades de cuidados intensivos. Devemos salientar que os doentes idosos têm os mesmos direitos que os doentes mais jovens a receber os melhores cuidados de saúde e, como já referimos, a idade nunca deve ser o critério único para a tomada de decisão clinica.

Prof. Manuel Oliveira Carrageta

Presidente