46.º Aniversário da FPC | Entrevista com o Prof. Dr. Manuel Oliveira Carrageta

No âmbito do 46.º Aniversário da Fundação Portuguesa de Cardiologia (FPC), o nosso presidente, Prof. Dr. Manuel Oliveira Carregeta, esclarece algumas questões e deixa algumas mensagens fundamentais:

 

Como tem evoluído a missão da FPC desde a sua fundação até aos dias de hoje?

“A importância das doenças cardiovasculares é enorme, se tivermos em conta, que em Portugal, nos últimos anos, de um total de cerca de 110.000 óbitos anuais, perto de 35000 mortes foram causadas por patologias cardiovasculares. A tendência dos últimos anos mostra uma redução significativa da mortalidade devida a acidentes vasculares cerebrais e, ainda que mais ligeira, dos enfartes do miocárdio. Pelo contrário, tem-se observado um aumento exponencial dos casos de insuficiência cardíaca e de fibrilhação auricular, as novas epidemias deste seculo. No seu conjunto, as doenças cardiovasculares são as patologias dominantes, sendo responsáveis por mais de um terço de toda a mortalidade da população portuguesa.

Nas últimas décadas, o panorama demográfico e epidemiológico mudou de maneira profunda. Lembro que, em média, durante os últimos quarenta anos, a esperança de vida aumentou cerca de dois a três anos por cada década. No início do século XX a esperança de vida não chegava aos 50 anos, e atualmente é de 79 para os homens e de 84 para as mulheres. Graça ao aumento da esperança de vida, hoje temos 2 milhões de portugueses com mais de 65 anos. Estes bons resultados da prevenção e da terapêutica cardiológica têm assegurado um aumento da esperança de vida da população e para eles contribuíram os vários agentes no terreno, entre os quais a Fundação.

Estamos perante uma conquista incrível, do aumento da esperança de vida, em que nem tudo é positivo. Do nosso sucesso resultou também uma epidemia de doenças crónicas associadas ao envelhecimento. A população com idades mais avançadas levanta novos desafios, resultantes da elevada prevalência das síndromes e doenças geriátricas, muitas das quais não são ainda completamente compreendidas, mas muitas são, pelo menos, em grande parte preveníveis. Estamos a falar de uma série de doenças, em que se destacam, o enfarte do miocárdio, os acidentes vasculares cerebrais, a insuficiência cardíaca, a fibrilhação auricular, os bloqueios cardíacos, para além de outras patologias, como a doença de Alzheimer, as osteoartroses, os cancros, , o síndrome de fragilidade, etc.

Nos anos setenta um dos maiores problemas era o excessivo consumo de sal, aliás muito superior ao consumo médio europeu – pensa-se que este erro alimentar seja, em grande parte, responsável pelo elevado número de AVCs que atinge a população portuguesa, em contraste com os restantes países europeus, incluindo a vizinha Espanha, que tem uma incidência bastante mais baixa. Podemos dizer que Portugal é o campeão europeu de consumo de sal e é simultaneamente o país com mais acidentes vasculares cerebrais que, saliente-se, constituem ainda a principal causa de morte e incapacidade da nossa população. Sem dúvida que as medidas e programas específicos que ajudaram os portugueses a reduzir o consumo de sal têm tido um impacto enorme numa maior esperança e qualidade de vida da nossa população.

Por outro lado, nos últimos anos tem-se desenvolvido uma nova ameaça para a população portuguesa, em particular para os jovens, a obesidade infantil, em resultado do abandono progressivo da nossa tradicional dieta mediterrânica, que está a ser substituída pela denominada “fastfood”, alimentação rica em calorias, gorduras saturadas, sal e açúcares, e pobre em fibra vegetal e micronutrientes essenciais. Por isso, não admira que estudos recentes mostrem que as crianças portuguesas são as segundas da Europa com mais excesso de peso e obesidade, o que nos leva a prever futuro agravamento da saúde da nossa população. A obesidade infantil é hoje um problema a que a Fundação dá a maior importância.”

 

Quais foram os maiores marcos da FPC nos seus 46 anos de existência?

“Como estratégia de literacia em saúde cardiovascular, a FPC começa por identificar os problemas, de seguida avalia-os, nomeadamente, através de inquéritos. Quando estes mostram claramente que a população portuguesa tem um grande desconhecimento sobre determinado problema, decidimos enfrentá-lo. A partir daí organizamos uma campanha mediática, nas redes sociais, spots de radio e televisão, elaboração e distribuição de folhetos, rastreios por todo o País e Simpósios Científico destinados, não só à população como aos profissionais de saúde. Continuamos a procurar identificar os maiores problemas de saúde cardiovascular em Portugal e dar o nosso contributo para uma maior sensibilização dos portugueses para a sua prevenção, quer a nível da população em geral, quer das autoridades.

A  Fundação nos primeiros anos da sua existência fez um trabalho fundamental de sensibilização para os efeitos nefastos do sal, como já referi anteriormente. Devo destacar a criação do dia do doente coronário, que se celebra a 14 de fevereiro, em resultado de uma proposta concreta da FPF. Também o conceito da via verde coronário, para evitar as mortes por enfarte do miocárdio, na sala de espera das urgências dos hospitais, foi sugerida pela Fundação às autoridades de saúde. Durante vários anos, a Fundação teve um trabalho persistente na sensibilização da nossa sociedade para as virtualidades, em termos de saúde, cultura e economia da Dieta Mediterrânica Portuguesa, o que levou finalmente à inscrição desta como património cultural imaterial da humanidade, junto da UNESCO.”

 

Que mensagem gostaria de deixar aos portugueses neste 46.º aniversário da Fundação?

“Que devem ter presente que as doenças cardiovasculares são a principal causa de doença, morte e custos em saúde da população portuguesa, isto apesar dos enormes progressos diagnósticos e terapêuticos que têm ocorrido nas últimas décadas.

A Fundação assim como a Organização Mundial de Saúde consideram que a forma mais eficaz de evitar as doenças cardiovasculares é através da adoção de um estilo de vida saudável, que compreenda uma alimentação saudável, atividade física diária e não fumar. Ao mesmo tempo devem ser desenvolvidos programas de deteção precoce dos fatores de rico cardiovasculares para, se necessário, tratar a hipertensão, o colesterol elevado e a diabetes, os principais fatores de risco das doenças cardiovasculares. Na verdade, a saúde cardiovascular está em grande medida nas mãos de cada um de nós.

Nesse sentido, a FPC recomenda a dieta mediterrânica,  o regime alimentar que está demonstrado ser o mais saudável e benéfico  para um envelhecimento saudável.   É variada, agradável, rica em vegetais, legumes e fruta, utilizando o azeite como gordura principal. Ao mesmo tempo, deve-se reduzir o consumo de alimentos com muita gordura animal, demasiado sal ou açúcar.

A atividade física é uma das chaves indispensáveis para se ser saudável e evitar as doenças cardiovasculares. A FPC recomenda, como mínimo, andar diariamente a pé 20 a 30 minutos. A marcha é gratuita, ecológica e acessível praticamente a todas as pessoas.

Estudos recentes mostram que a exposição a espaços verdes, especialmente arvoredo, são benéficos para a saúde em geral e em particular para a saúde cardiovascular. Os benefícios resultam de vários mecanismos, nomeadamente, pela  ação das arvores na melhoria do ar respirado, com produção de oxigénio e remoção dos poluentes atmosféricos, da atenuação dos ruídos, da mitigação das alterações da temperatura ambiente e, ainda, emissão de aminas biogénicas, que têm efeitos anti-inflamatório, antimicrobiano e anti- tumoral. Por isso, a Fundação defende que os poderes autárquicos devem intensificar uma política de aumento das áreas verdes nos espaços urbanos, numa verdadeira pratica de medicina preventiva, tanto mais que a população se continua a concentrar cada vez mais nas cidades.

A Fundação Portuguesa de Cardiologia recomenda a todos os cidadãos a adoção de um estilo de vida saudável. Lembramos, que «Ninguém morre do nada, evite as doenças do coração».”