RePensar a saúde em Portugal

Publicado a 27 de dezembro de 2017

 

Artigo de Opinião

 

No passado dia 13 de dezembro teve lugar na Fundação Calouste Gulbenkian uma muito interessante Conferência, organizada pela Sociedade Portuguesa de Cardiologia (SPC), subordinada ao título “Repensar o futuro da saúde cardiovascular em Portugal”.

Foram oradores João Morais (Presidente da SPC), Ana Azevedo (Diretora do Centro de Epidemiologia do Centro Hospitalar de São João), Paulo Baldaia (Diretor do Diário de Notícias), Pedro Pita Barros (Professor Catedrático da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa) e António Correia de Campos (Ministro da Saúde dos XVII e XIV Governos de Portugal).

Na impossibilidade de reproduzir as intervenções e excelentes comentários a cabo do moderador José Manuel Antunes (jornalista), que penso serão objecto de publicação ulterior da SPC, queria aqui deixar alguns comentários sobre o que foi dito.

Pita Barros, numa excelente intervenção, sublinhou a enorme dificuldade de conseguir financiamentos para a prevenção na saúde, pois estamos a tentar pagar o que ainda não aconteceu. Na prevenção, por outro lado, podemos distinguir entre prevenção secundária, que evita repetição de episódios de doença que já ocorreram (Enfarte do Miocárdio, AVC), e a prevenção primária, que procura evitar doenças e dar mais saúde à população em geral.

Para ambas estas áreas, e segundo os últimos dados disponíveis, o Ministério da Saúde disponibiliza apenas 0,9% do seu orçamento. Como foi dito na reunião, isto é um escândalo nacional, ainda mais agravado pelo facto da maior parte desta quantia ser gasta apenas na prevenção secundária, nomeadamente, na reabilitação cardiovascular.

Dados recentes publicados por entidades totalmente credíveis (INE, APDP) mostram que mais de 50% das crianças portuguesas são obesas ou têm excesso de peso e que em cada três crianças portuguesas uma será diabética. Estas crianças vão ser adultos com Diabetes Tipo II, mais grave e mais precoce, Arteriosclerose e Enfartes do Miocárdio antes dos 50 anos, Hipertensão Arterial, AVC e Insuficiência Renal.

Combater a Obesidade Infantil é, pois, um caso raro de prevenção primária em que já estão disponíveis elementos que nos permitem, com maior segurança, prever doenças no futuro.

Sob o ponto de vista económico este investimento é seguro e altamente rentável, com retorno garantido.

Só que o problema não é puramente económico, é político. Os objectivos dos políticos, quer do lado parlamentar, quer do lado autárquico, são sempre definidos ao nível temporal de uma legislatura. Estudos científicos realizados em Framingham (USA) e na Nova Carélia (Finlândia) demonstraram que qualquer intervenção na população só tem resultados ao fim de 20, 30 ou 40 anos. Mais perto de nós, em Soria (País Basco), uma intervenção com o estilo de vida mediterrânico teve resultados altamente benéficos e deferidos no tempo, como verificado em Framingham.

Só com um excepcional sentido de Estado é que um político inscreverá na sua agenda um objectivo para daqui a 30 anos. Em Portugal, não conheço políticos com este perfil.

Vale a pena repensar a saúde, ver como vamos utilizar os parcos recursos disponíveis e, como diz o povo, vale mais prevenir que remediar.   

 

Prof. Doutor Jacinto Gonçalves

Vice-Presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia

Cardiologista