Dia Nacional do Não Fumador

O tabagismo é em Portugal, como no resto do mundo, a principal causa de morte evitável. De facto, por cada cigarro que fumamos perdemos em média 8 minutos de vida. No total, um homem fumador está a arriscar perder, em média, cerca de 13 anos de vida, enquanto uma mulher perde cerca de 15 anos de vida.

 

O tabagismo é responsável por mais de 8000 mortes em Portugal, das quais cerca de 4000 por doenças cardiovasculares, 2000 por cancro do pulmão e as restantes por enfisema do pulmão e cancro noutros órgãos.

 

Embora a opinião pública esteja mais sensibilizada para associar o tabagismo à ocorrência de cancro, a verdade é que, devido ao tabaco, morrem mais pessoas por doença cardiovascular do que por cancro. De facto, cerca de um terço das mortes por doença cardiovascular é devido ao fumo do tabaco.

 

 

Cancro e tabagismo

O tabagismo é a principal causa de cancro conhecida, sendo responsável por mais de 30% das mortes por cancro. O risco de cancro aumenta em todos os órgãos do corpo por onde o tabaco passa até chegar aos pulmões (boca, garganta, laringe e pulmões) e no seu caminho de eliminação do organismo (rim e bexiga) e ainda noutros órgãos intermédios (pâncreas e colo do útero). Cerca de 90% dos cancros do pulmão são devidos ao tabagismo. Nos últimos anos tem-se observado a diminuição dos casos de cancro do pulmão no homem e o aumento na mulher, em paralelo com a redução do tabagismo no homem e o aumento na mulher. Em adição, o fumo do tabaco é a principal causa de bronquite, enfisema e doença pulmonar crónica obstrutiva (DPOC), uma das mais importantes causas de morte em Portugal.

 

Cancro e coração

A nível cardiovascular, o acto de fumar provoca uma série de reacções fisiológicas, entre as quais o aumento da tensão arterial, de 10 a 20 mmHg, e da frequência cardíaca de 15 a 25 pulsações por minuto, o que acelera os processos de envelhecimento e o desenvolvimento de doenças cardiovasculares; eleva os níveis de adrenalina, causando vasoconstrição (estreitamento das artérias) e agregação das plaquetas sanguíneas (pequenas células que têm o papel de combater as hemorragias), o que torna o sangue mais viscoso e com tendência a formar coágulos, nomeadamente das coronárias; o tabaco aumenta muito a libertação de radicais livres que provocam a oxidação do colesterol das LDL, um passo crítico que transforma as partículas de LDL em variantes mais patológicas que agridem a parede arterial, dando início ao processo de aterosclerose; reduz as HDL (o colesterol bom que remove as LDL da parede arterial), não só aumentando o risco cardiovascular como diminuindo a respectiva protecção, ao não limpar a parede arterial das LDL.

 

Não admira pois que no Physicians Health Study, um importante estudo da Universidade de Harvard, envolvendo 22 000 médicos, se tenha verificado uma duplicação do risco de ataque cardíaco e de acidente vascular cerebral e um aumento de cinco vezes do risco de morte súbita nos fumadores.

 

No estudo InterHeart o risco de doença cardiovascular aumentou três vezes com a exposição ao fumo do tabaco e, mesmo nas pessoas que fumam pouco, causou uma grande número de ataques cardíacos.

 

Outros órgãos

Por outro lado, o tabagismo envelhece a pele, enegrece e estraga os dentes, duplica o risco de doença degenerativa macular, a principal causa de cegueira no idoso e, muito importante, aumenta três vezes o risco de disfunção eréctil.

 

Fumador passivo

Morar ou trabalhar num ambiente de fumo aumenta muito o risco cardiovascular e de cancro. Vários estudos mostram que as mulheres de fumadores têm três vezes mais risco de sofrer um ataque cardíaco do que as mulheres de homens não fumadores, assim como de cancro do pulmão. As crianças que crescem num lar de fumadores têm muito maior risco de asma, alergias e infecções respiratórias graves. Por outras palavras, os fumadores estão não só a matar-se, como a fazer o mesmo às pessoas à sua volta, nomeadamente àquelas com quem têm uma relação afectiva.

 

 

Charutos, cachimbo, tabaco sem fumo e cigarros eletrónicos

Nos últimos anos, voltou a tornar-se chic fumar charutos até porque as pessoas pensam que, como fumam menos vezes e inalam menos, têm menos risco. Estão enganadas porque a queima do charuto liberta na atmosfera partículas mais pequenas do que os cigarros, o que torna o fumo do charuto ainda mais perigoso, inclusive para os fumadores passivos.

 

O fumo do cachimbo é também agressivo para o coração e pulmões, pelo que o melhor é evitar todo o tipo de exposição ao fumo do tabaco.

 

O tabagismo sem fumo, tal como mascar ou snifar, é um hábito que tem tendência para aumentar entre os mais jovens. Leva à absorção de uma quantidade maior de nicotina, com a consequente maior taquicardia e subida da tensão arterial. O tabaco sem fumo não é seguramente uma alternativa segura, provocando doença cardiovascular, cancro da boca e garganta, embora cause menos cancro do pulmão.

 

Os cigarros electrónicos, também conhecidos por vaporizadores, são pequenos equipamentos alimentados a bateria, que imitam o acto de fumar. São uma moda recente e não param de ganhar popularidade.

 

Embora contenham muito menos substancias toxicas que os cigarros, isso não significa que sejam completamente seguros. Contêm nicotina, uma substancia altamente aditiva, que sobe a pressão arterial e a frequência cardíaca, o que tem efeitos negativos para o coração e aparelho circulatório.

 

Embora sejam uma alternativa mais segura, não aconselho os não fumadores a utilizar os cigarros electrónicos, embora possam ser utilizados como ferramenta para ajudar os fumadores a abandonar o hábito.

 

Deixar de fumar

O tabagismo é aditivo. Por isso, para deixar de fumar é preciso mais do que saber quais os perigos do tabaco. O que ocorre é que para muitos fumadores o processo de deixar de fumar não é um acto único, mas antes uma luta constante contra o hábito, em que se deixa de fumar uma vez, se volta a fumar outra vez, recomeçando novo ciclo mais tarde. De facto, é mesmo difícil deixar de fumar mas é, certamente, uma das melhores coisas que podemos fazer por nós.

 

Porquê a dependência?

As drogas aditivas, como a nicotina, a cocaína e a própria cafeína, estimulam a descarga de dopamina, uma substância química natural produzida pelo cérebro que aumenta a sensação de bem-estar. Infelizmente para aqueles que fumam ou tomam drogas, torna-se necessário aumentar progressivamente as doses do tóxico para continuar a ter a mesma sensação de prazer. Instala-se uma habituação a níveis elevados de dopamina que, quando descem ao deixar de fumar, dão uma sensação de ansiedade e mal-estar (ressaca). O grande desafio é habituarmos o nosso organismo, de novo, aos níveis normais de dopamina.

 

Algumas medidas praticas para deixar de fumar:

  • Peça ajuda a um profissional – o seu médico pode ajudá-lo ou até enviá-lo a uma clínica antitabagismo.
  • Comece um programa de actividade física regular como, por exemplo, andar a pé meia hora por dia. Isto, além de reduzir o stress, liberta endorfinas cerebrais, substâncias químicas que dão sensação de bem-estar e de relaxação.
  • Mastigue – muitos fumadores acham que roer certos alimentos saudáveis, como as maçãs, cenouras, etc., ao manter a boca e as mãos ocupadas, ajuda a eliminar a vontade de fumar. O mesmo se pode fazer mascando pastilhas elásticas sem açúcar
  • Tenha as mãos ocupadas – muitos fumadores referem que a vontade de fumar é mais fácil de controlar quando se tem um objecto nas mãos.
  • Beba muita água – uma boa hidratação ajuda a reduzir o craving (desejo imperioso) de nicotina
  • Evite situações associadas ao cigarro que lhe despertem mais vontade de fumar como, por exemplo, após o jantar, tomar café ou uma bebida alcoólica.
  • Embranqueça os dentes – este é um bom objectivo pelo aspecto agradável e saudável que os dentes brancos inspiram, sabendo-se que, pelo contrário, os dentes ficam rapidamente enegrecidos pelo tabaco

 

Produtos para deixar de fumar

Embora possa comprar directamente na farmácia alguns produtos para deixar de fumar, o ideal é consultar o seu médico assistente para este o ajudar a escolher o tratamento ou combinação de tratamentos mais apropriados para si.

 

A terapêutica de substituição da nicotina, quer sob a forma de adesivos quer de pastilhas, ajuda a superar o desejo de fumar.

 

O bupropion, um fármaco com acção antidepressiva, quando administrado por via oral, através de um mecanismo mal compreendido, mas que parece ser devido a uma elevação da dopamina no cérebro, pode diminuir o desejo de fumar. Não contém nicotina e não é aditivo.

 

A vareniclina, recentemente adicionada ao armamentário terapêutico antitabágico, ajuda a reduzir o desejo de fumar, assim como os sintomas de supressão da nicotina. Actua através do bloqueio dos receptores da nicotina localizados no cérebro, o que vai reduzir o prazer de fumar.

 

Rápidos benefícios ao deixar de fumar

  • Ao fim de 20 minutos, a pressão arterial e a frequência cardíaca começam a normalizar e a temperatura das mãos e pés volta ao normal
  • Às oito horas, os níveis de monóxido de carbono normalizam
  • Às 24 horas, o risco de doença cardiovascular começa a diminuir
  • Ao fim de duas a três semanas, a circulação melhora e o risco de enfarte agudo do miocárdio continua a diminuir e há ainda uma melhoria de 30% da função pulmonar
  • Ao fim de um a nove meses, a falta de ar e a tosse diminuem, bem como as alergias e as infecções respiratórias
  • Ao fim de um ano, o risco de ataque cardíaco desce para metade
  • Aos cinco anos, o risco de ataque cardíaco e de acidente vascular cerebral torna-se igual ao de uma pessoa que nunca fumou
  • Aos quinze anos, o risco de cancro do pulmão é praticamente igual ao de uma pessoa que nunca fumou.

É bom saber que os riscos do tabagismo começam a desaparecer logo que o indivíduo deixa de fumar. Ao fim de cinco anos, o risco de ataque cardíaco ou de acidente vascular cerebral desce para o normal, ao passo que o risco de cancro do pulmão leva mais tempo a normalizar. 

 

O tabagismo é uma adição complexa que pode ser tão difícil de abandonar como a dependência das drogas duras. A estratégia mais eficaz para deixar de fumar é a combinação da medicação com a participação num programa que conte com o apoio de profissionais de saúde especialmente treinados na cessação desta dependência.

 

A lei que proibiu fumar em restaurantes e bares está a beneficiar não só os trabalhadores destes espaços, como a ajudar os ainda fumadores a deixar de fumar.

 

Deixar de fumar é seguramente uma das melhores coisas que podemos fazer pela nossa saúde, não só porque reduz o risco de doença cardiovascular, mas também de vários tipos de cancro, de bronquite, enfisema e melhora ainda a sua sensação de bem-estar e a qualidade de vida.

 

Prof. Doutor Manuel Oliveira Carrageta

Presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia