Desperdício Alimentar

O desperdício alimentar é um dos principais problemas a nível económico, ambiental e social que se verifica nos dias de hoje. É uma realidade cada vez mais significativa, com valores tão elevados que surpreendem e chocam qualquer pessoa: de acordo com a FAO, cerca de 1/3 de todos os alimentos produzidos anualmente nível mundial é desperdiçado, sendo que a nível nacional Projeto de Estudo e Reflexão do Desperdício Alimentar (PERDA) estima o desperdício alimentar anual em 1 milhão de toneladas de alimentos, dos quais 324mil toneladas são desperdiçadas ao nível do consumidor. A nível europeu, outros países apresentam valores mais elevados, como a Holanda, a Bélgica, o Chipre e a Estónia. Um estudo realizado pela Comissão Europeia, em 2010, revelou que na Europa 89 milhões de toneladas de alimentos são desperdiçados anualmente, verificando-se esse desperdício nos vários setores ao longo da cadeia alimentar: na produção e processamento, na distribuição e venda, e ao nível dos consumidores.

Uma situação destas torna-se insustentável pelas consequências que acarreta. Não só milhares de pessoas que passam fome a nível mundial poderiam ver as suas necessidades alimentares satisfeitas – se as sobras e excedentes fossem corretamente direcionados – como também o ambiente se ressente. Os produtos alimentares que não são consumidos são deitados ao lixo, e o lixo orgânico, enterrado nos espaços anaeróbios das lixeiras, estimula a produção de metano, um gás com um efeito de estufa mais forte que o dióxido de carbono. O desperdício alimentar contribui, juntamente com os transportes, com a indústria e com a agropecuária, para a forte emissão de gases com efeito de estufa. Se considerarmos que uma parte do contributo da agropecuária e da indústria para essa emissão total, foi na realização de produtos alimentares que foram depois desperdiçados e inutilizados, percebemos de facto a real dimensão do desperdício alimentar na poluição do planeta. Além disso, toda a água, luz, gás, combustíveis, matéria-prima e mão de obra que são utilizados na produção desses alimentos desperdiçados acaba por constituir gastos económicos em vão, que poderiam ser direcionados para outras áreas em falta. Até para o próprio consumidor, o desperdício de produtos que comprou mas não consumiu constitui um conjunto de gastos desnecessários, que poderiam ter sido poupados e utilizados noutras necessidades.

Para promover uma intervenção eficaz, com resultados significativos na redução do desperdício alimentar e das suas consequências, a Comissão Europeia propôs 2014 o “Ano Contra o Desperdício Alimentar”, implementando um conjunto de medidas cujo objetivo fosse a redução do desperdício alimentar em metade até 2020. O Parlamento Europeu apelou a uma ação coletiva para a mesma redução até 2025. A nível nacional, foi 2016 que foi declarado o Ano Nacional do Combate ao Desperdício Alimentar.

Muito se tem feito nos últimos anos no sentido de reduzir os valores registados nesta área. Na Dinamarca surgiu um supermercado – o WeFood – que vende os produtos alimentares com o prazo de validade perto do fim, a preços significativamente mais baratos, estimulando assim a sua aquisição e reduzindo o desperdício ao nível das cadeias comerciais. Cá, o Good After seguiu o exemplo; trata-se de um supermercado com encomendas online, que distribui para todo o país produtos com grandes descontos, derivados da menor validade que possuem; ainda assim, os produtos vendidos encontram-se todos aptos para consumo. Para além destas iniciativas surgiram, ou ganharam maior destaque, vários projetos voluntários, como a ReFood e o Zero Desperdício, que aumentam o aproveitamento das sobras de refeições de restaurantes e outros estabelecimentos comerciais, distribuindo por famílias carenciadas, e ainda outros como Dose Certa, que combate o desperdício através da reeducação das quantidades e tamanhos das porções servidas, principalmente ao nível dos restaurantes, e Fruta Feia, que aproveita a fruta com qualidade, mas sem a aparência adequada para ser comercializada. Estes projetos incluem a participação de vários voluntários, pelo que qualquer pessoa que deseje contribuir para este objetivo pode juntar-se e dar o seu contributo individual para o sucesso dos projetos.

Contudo, o principal contributo individual que todos nós podemos dar começa com pequenas atitudes, em casa e no momento da compra, que reduzem a quantidade de comida que desperdiçamos. Pequenas atitudes podem fazer uma grande diferença, principalmente se adotadas por uma grande parte da população; estas pequenas técnicas não requerem grande esforço e até podem poupar dinheiro ao consumidor, uma vez que comida desperdiçada é também dinheiro desperdiçado.

  • Faça uma lista de compras antes de se dirigir às instalações comerciais, e limite as suas compras aos produtos estritamente necessários. Quando fizer a sua lista, tenha em conta o consumo habitual do seu agregado familiar, e tente não comprar excedentes. É preferível fazer compras com maior frequência e comprar menores quantidades de cada vez, do que comprar muito e metade acabar por ir para o lixo. Pode também optar pela compra de alimentos avulso, também mais vantajosos em termos de preço.
  • Verifique o prazo de validade dos produtos no momento da compra, e pense se conseguirá consumi-los no prazo de validade indicado. Se não conseguir, não compre ou opte por levar menos e dentro de alguns dias voltar novamente às compras. Atenção especial às grandes promoções e ofertas, muitas vezes feitas para escoar o stock de produtos prestes a perder a validade. Ainda que sejam mais baratos, verifique a validade e pense se de facto irá consumir uma elevada quantidade desses produtos.
  • Saiba interpretar a data de validade de um produto alimentar. Diferencie entre “consumir até” ou “consumir de preferência antes de”. “Consumir até” refere-se a produtos com pouca validade e que devem consumidos necessariamente até aquela data. É um prazo máximo de consumo, a partir dos quais os produtos não podem ser comercializados. “Consumir de preferência antes de” refere-se a produtos que devem ser consumidos até um determinado dia, mas que se mantêm aptos para consumo nos dias que se seguem, desde que armazenados nas condições ideais. É um prazo mínimo de consumo, uma data de consumo preferencial, até à qual as marcas asseguram a qualidade do seu produto.
  • Organize o seu frigorífico e a sua dispensa, colocando mais perto os produtos com menor prazo de validade, e mais longe os produtos com maior tempo de prateleira. A maior acessibilidade e visibilidade destes produtos estimula o seu consumo. Uma limpeza e arrumação frequentes do frigorífico e da dispensa permite verificar os produtos que tem e fazer uma melhor gestão dos mesmos.
  • Compre produtos frescos e ainda verdes ou num estado inicial de maturação, de modo a aguentarem-se mais tempo. Se previr que não consumirá os produtos frescos em tempo útil, adquira a sua versão congelada. Alguns produtos frescos podem ser congelados, descongelando à medida que se utilizam, como por exemplo o pão. Se comprar produtos congelados, deve garantir que são os últimos itens a adquirir, e deve colocá-los em sacos térmicos até chegar a casa e passá-los para o congelador. Deve também garantir condições de armazenamento e conservação adequados, evitando que os produtos se deteriorem ou tornem impróprios para consumo. Saiba mais aqui.
  • Quando confecionar as suas refeições, tente fazê-lo sem excedentes, ou seja, tente confeccionar o número de porções adequadas ao consumo do seu agregado familiar, sem que haja excedentes ou sobras. Sirva-se apenas com as quantidades de alimentos que pensa que irá consumir. No caso de existirem sobras ou excedentes, conserve no frigorífico, de preferência num recipiente transparente, e consuma no prazo máximo de 3 dias, reaquecendo uma só vez.
  • Pode também aproveitar as sobras e partes inutilizadas dos alimentos (por exemplos cascas e talos) para confecionar outras receitas. A Associação Portuguesa dos Nutricionistas lançou recentemente um ebook com várias receitas para reduzir o desperdício alimentar, que reutilizam sobras ou dão uso às partes geralmente inutilizadas dos vários alimentos. Também o projecto Portugal em Forma apresenta receitas para reduzir o desperdício; cada vez mais na internet e em vários livros surgem receitas inovadoras e práticas que lhe farão olhar para as sobras e restantes componentes alimentares desperdiçados de uma nova forma e com uma nova utilidade. É uma questão de dedicar uma pequena parte do seu tempo a investigar e permitir-se experimentar novas experiências culinárias.

 

Joana Ferreira

Nutricionista Estagiária à Ordem dos Nutricionistas